domingo, 1 de fevereiro de 2015

VENTO DO TEMPO / WIND OF TIME




PRESENTIMENT

I am still as an autumn tree
In which there is no wind,
No breath of movement – yet
There on a top branch,
For no cause I can see,
A single leaf oscillates
Violently.

To what thin melody
Does it dance?
What lost note vibrates
In me?
From the past or the future?
Memory
Or Presentiment?

PRESSENTIMENTO

Imóvel como árvore no outono,
onde não bate o vento, onde não há 
sopro ou movimento e, mesmo assim,
no alto, num galho,
por nenhuma razão aparente,
uma única folha oscila
violentamente.

Para que melodia
ela dança?
Que nota perdida vibra
em mim?
Do passado ou do futuro?
Memória
ou Pressentimento?

WITHIN THE WAVE

Within the hollow wave there lies a world,
Gleaming glass-perfect, rising to be hurled
Into a thousand fragments on the sand,
Driven by tide’s inexorable hand.
Now in the instant while disaster towers,
I glimpse a land more beautiful than ours;
Another sky, more lapis-lazuli,
Lit by unsetting suns; another sea
By no horizon bound; another shore,
Glistening with shells I never saw before.
Smooth mirror of the present, poised between
The crest’s “becoming” and the foam’s “has been” –
How luminous the landscape seen across
The crystal lens of an impending loss!

DENTRO DA ONDA

Dentro do arco da onda há um mundo,
luzindo seu brilho de vidro perfeito, que se levanta
e desmancha em milhares de partículas na areia,
lançada pela inexorável maré.
Agora, neste instante, em que a catástrofe é certa,
percebo, de súbito, uma terra mais bela que a nossa,
outro céu, com azul mais intenso,
onde brilham sóis que nunca se põem, outro mar,
sem horizonte a cercá-lo; outra praia,
refletindo o brilho de conchas jamais vistas.
espelho suave do presente, suspenso 
entre a crista “que se ergue” e a espuma “que passou” –
como é luminosa a paisagem que vejo através
das lentes de cristal desta iminente perda!

FAMILY ALBUM
On a photograph of my father and mother just married

My parents, my children:
Who are you, standing there
In an old photograph – young married pair
I never saw before, yet see again?
You pose somewhat sedately side by side,
In your small yard of the suburban road.
He stretches a little in young manhood’s pride
Broadening his shoulders for the longed-for load,
The wife that he has won, a home his own;
His growing powers hidden as spring, unknown,
But surging in him toward their certain birth,
Explosive as dandelions in the earth.

She leans upon his arm, as if to hide
A strength perhaps too forward for a bride,
Feminine in her bustle and long skirt;
She looks demure, with just a touch of flirt
In archly tilted head and squinting smile
At the photographer, she watches while
Pretending to be girl, although so strong,
Playing the role of wife (“Here I belong!”),
Anticipating mother, with man for child,
Amused at all her roles, unreconciled.

And I who gaze at you and recognize
The budding gestures that were soon to be
My cradle and my home, my trees, my skies,
I am your child, staring at you with eyes
Of love and grief for parents who have died;
But also with omniscience born of time,
Seeing your unlined faces, dreams untried,
Your tentativeness and your brave attack,
I am no longer daughter gazing back;
I am your mother, watching far ahead,
Seeing events so clearly now they’re gone
And both of you are dead, and I alone,
And in my own life now already past
That garden in the grass where you two stand.

I long to comfort you for all you two
In time to come must meet and suffer through,
To answer with a hindsight-given truth
The questions in those wondering eyes of youth.
I long to tell you, starting on your quest,
“You’ll do it all, you know, you’ll meet the test.”
Mother compassionate and child bereft
I am; the past and present, wisdom and innocence,
Fused by one flicker of a camera lens
Some stranger snapped in laughter as he left
More than a half a century ago –
My children, my parents.

ÁLBUM DE FAMÍLIA
A partir de uma foto de casamento dos meus pais

Meus pais, meus filhos: 
quem são vocês,
posando numa velha foto – recém-casados, 
como nunca antes os vi, embora pareça vê-los novamente?
Posam, serenamente, lado a lado,
num pequeno jardim próximo à estrada nos subúrbios da cidade.
ele parece um jovem orgulhoso de si mesmo,
preparando-se para enfrentar o destino que escolheu,
ao lado da mulher que desposou e da casa que construirão juntos;
seu poder é latente e oculto como a primavera, desconhecida,
mas que se vislumbra desde o nascimento,
fulgurante como viçosos dentes-de-leão.

Ela se apoia em seu braço, tentando ocultar
uma força interior talvez incomum para uma noiva,
ela tão feminina em seu longo vestido branco;
parece acanhar-se, com o leve meneio
de sua cabeça reclinada, sorrindo de soslaio
para o fotógrafo, como se o observasse,
como uma menina, embora se mostre forte
em seu papel de mulher (“Este é meu lugar!”),
antecipando-se à maternidade de seus filhos homens,
e divertindo-se com tantos papéis irreconciliáveis.

Olho os dois e reconheço
os gestos que logo iriam se tornar
os que me embalariam e confortariam, dando-me um lar;
sou sua filha, observando-os
com amor e tristeza por perder seus pais,
mas também com a onisciência que vem com o tempo,
ao ver os rostos lisos, com todos os sonhos ainda por vir,
com cuidado e coragem,
deixo de ser a filha que os procura no passado;
sou sua mãe, olhando à frente no tempo,
antevendo claramente, agora que tudo já passou,
hoje ambos mortos e, eu, sozinha,
vivendo no mesmo jardim
onde se casaram.

Gostaria de confortá-los por tudo que ainda
iriam viver e sofrer,
e lhes responder, com uma verdade iluminada,
as perguntas que passeiam por seus olhos deslumbrados.
Gostaria de lhes dizer, ao iniciarem sua busca:
“Vocês farão tudo e, em tudo, serão testados.”
Sou a mãe cheia de compaixão e a filha abandonada.
sou o passado e o presente, a sabedoria e a inocência,
ei-los fundidos num instante capturado pelas lentes da câmera
de um desconhecido que, sem saber, fez a foto,
há mais de meio século – para me trazer de volta
meus filhos, meus pais.

BROKEN SHELL

Cease searching for the perfect shell, the whole
Inviolate form no tooth of time has cracked;
The alabaster armor still intact
From sand’s erosion and the breaker’s roll.

What can we salvage from the ocean’s strife
More lovely than these skeleton that lie
Like scattered flowers open to the sky,
Yet not despoiled by their consent to life?

The pattern on creation morning laid,
By softened lip and hollow, unbetrayed;
The gutted frame endures, a testament,
Even in fragment, to that first intent.

Look at this spiral, stripped to polished nerve
Of growth. Erect as compass in its curve,
It swings forever to the absolute,
Crying out beauty like a silver flute.

CONCHA PARTIDA

Não procures mais a concha perfeita, a forma
inteira e inviolada, que não trincou sob os dentes do tempo;
a armadura de alabastro ainda intocada
pela ação erosiva das areias e das ondas que rolam na praia.

Que outra beleza poderíamos resgatar do mar inconstante
do que estes pequenos esqueletos que se espalham
como flores dispersas sob o céu,
ainda intactas em sua renúncia de vida?

Eis a manhã da criação
retida em seu pequeno lábio, concavidade vazia, destemida;
sua moldura vazada persiste, como um testamento,
em fragmentos, de seu primeiro movimento terreno.

Veja a espiral que mostra as nervuras
de seu crescimento. Erguida como uma bússola em seu arco,
balança-se eternamente no absoluto,
cantando a beleza como uma flauta de prata.

REVISITATION

You have been dead for months; the daylight mind
Has noted in its record the exact
Moment of dying, has transferred the fact
To its dream-counterpart – the shadowy pool
Where all events are mirrored upside down,
Distorted but more vivid than by day –
That nowhere on this earth can you be found;
No here, not there, nor on a journey bound
From which you’ll soon be back. No just away,
But gone “for good”, you are.
   Even though I know,
And grief is past and life goes on – even so,
Still I must make a faithful pilgrimage
To those particular landmarks that were yours,
Or intimately haunted by your sight;
Not in the hope of finding you again,
Not in obeisance to your memory,
Nor self-indulgently in search of pain.

No, I must go
Back to the places where you put your hand,
To see them now without you, gutted, bare,
Swept hollow of your presence. I must stand
Alone and in their empty faces stare,
To find another truth I do not know;
To balance those unequal shifted planes
Of our existence, yours and mine; to fix
The whirling landscapes of the heart in which
I walk a stranger both to space and time.

I must go back;
In each familiar corner wait until
I witness once again the flesh turn cold,
The spirit parting from the body’s hold;
And let it go, and love the landscape still;
But now on only for itself alone,
As you once loved it when, in flesh and bone,
You walked it first, naked of memories,
And sharp with life, you loved its flesh and bone.
For I must meet and marry in myself
The truth of what has ended, what is new;
The past and future; death and life. And when
At last the two conflicting pairs are met;
The planes are balanced and the landscapes set;
The strands of past and future tied in one
Tough, weather-beaten, salted twist of hemp,
The present – Then
I shall be able to refind myself,
And also, you.

REVISITAÇÃO

Já morreste há alguns meses; a mente diurna
anotou no calendário o dia
da tua morte e transferiu-a
para seus sonhos – o sombrio lago,
onde todos os fatos refletem-se invertidos
e distorcidos, porém ainda mais vívidos que à luz do dia –
não estás mais presente neste mundo;
nem aqui, nem ali, tampouco retornarás
de tua viagem. Não viajaste,
mas foste embora “para sempre”.
      Mesmo sabendo
que a tristeza já passou e que a vida
segue seu curso – mesmo assim,
preciso fazer uma peregrinação
aos lugares que foram teus
ou intimamente entrevistos pelo teu olhar;
não na esperança de te reencontrar,
não em tua memória,
nem sofrendo a dor de ter-te perdido.

Não, preciso
voltar aos lugares onde puseste a mão,
revê-los agora sem ti, vazios, despidos,
sem a tua presença. Preciso estar ali
sozinha e olhar esses lugares vazios,
para encontrar a verdade que desconheço;
e equilibrar as incomparáveis asas
de tua existência, a tua e a minha; e guardar nos olhos
as paisagens oscilantes do coração, onde
caminho como uma estranha através do tempo e do espaço.

Preciso voltar,
e esperar em cada um desses lugares conhecidos, até
novamente ver tua carne enregelar,
o espírito deixar teu corpo;
e deixar-te partir e, ainda assim, continuar a amar a paisagem;
porém agora apenas por ela mesma,
como tu a amaste, quando, ainda vivo,
caminhaste por ela pela primeira vez, sem memórias,
e amaste intensamente esta paisagem.
Porque preciso encontrar e reconciliar-me
com a verdade daquilo que se foi e aceitar o novo;
o passado e o futuro; a morte e a vida. E, quando,
finalmente, os opostos se encontrarem,
as asas se equilibrarem e as paisagens se redefinirem,
os fios do passado e do futuro se entrelaçarem,
tecendo um linho forte, gasto e usado pelo tempo –
o presente – então,
poderei reencontrar a mim,
e, também, a ti.

BARE TREE

Already I have shed the leaves of youth,
Stripped by the wind of time down to the truth
Of winter branches. Linear and alone
I stand, a lens for lives beyond my own,
A frame through which another’s fire may glow,
A harp on which another’s passion, blow.

The pattern of my boughs, an open chart
Spread on the sky, to others may impart
Its leafless mysteries that once I prized,
Before bare roots and branches equalized;
Tendrils that tap the rain or twigs the sun
Are all the same; shadow and substance one.
Now that my vulnerable leaves are cast aside,
There’s nothing left to shield, nothing to hide.

Blow through me, Life, pared down at last to bone,
So fragile and so fearless have I grown!

ÁRVORE NUA

Despiram-me das folhas de minha juventude,
levadas pelo vento do tempo, deixando-me
como aos galhos no inverno. Permaneço,
ereta e solitária, a testemunhar outras vidas,
emoldurando outro brilho,
harpa a tocar uma paixão que não é minha.

Minha ramagem, um leque aberto
ao céu, novamente trará
os mistérios desfolhados que tanto amei,
com raízes e ramos igualmente nus,
os galhos que sorvem a chuva ou balançam ao sol
são os mesmos; a sombra e a essência são uma.
Agora que já perdi as folhas tão frágeis,
não há nada mais a cobrir, nada mais a ocultar.

Vida, sopra por mim agora, finalmente despida,
pois me tornei tão frágil e tão destemida!


Anne Morrow Lindbergh (1906-2001)


Após seu casamento com o aviador Charles Lindbergh, em 1929, Anne Morrow Lindbergh o acompanhou nos primeiros voos sobre o Atlântico Norte para o lançamento das primeiras linhas aéreas transoceânicas. A trágica morte de seu primeiro filho e o consequente processo criminal forçou-os a mudar para a Europa em busca de segurança e privacidade. A guerra, no entanto, fez com que voltassem aos Estados Unidos, fixando-se definitivamente na costa de Connecticut, onde viveram de modo reservado, escrevendo, e criando seus cinco filhos. Depois que estes cresceram e saíram de casa, Anne e Charles Lindbergh fizeram longas viagens à África e ao Oceano Pacífico em pesquisas ambientais. Moraram por vários anos na ilha de Maui, no Havaí, onde Charles faleceu, em 1974. Anne voltou a viver em Connecticut, onde recebia filhos e netos, e depois foi para a casa de sua filha Reeve, em Vermont, onde morou seus últimos anos de vida, morrendo em 7 de fevereiro de 2001, aos 96 anos.

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